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quarta-feira, janeiro 19, 2011

ENTRE CRENTES E ATEUS

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Nos ambientes relacionados à maioria das religiões, são comuns as infindáveis polêmicas fomentadas a partir de concepções dualísticas, não faltando apologistas de plantão, dispostos a digladiar na arena dos inflexíveis absolutos. Para estes, o mundo é preto ou branco, certo ou errado, do bem ou do mal, dirigido por Deus ou pelo diabo, anjos ou demônios, habitado por salvos e condenados que vão para o céu ou inferno. Observa-se, ainda, a dualidade excludente entre fé e ciência, matéria e energia, criacionismo e evolucionismo, vegetarianos e carnívoros, flamenguistas e corintianos, os que bebem destilado e os que do outro lado são abstêmios.

Tal percepção dualista, entretanto, dificilmente faz jus à realidade, pois entre os pretensos absolutos, entrincheirados atrás de barricadas erguidas sobre intransigentes argumentos, existem não poucas variáveis. Entre o dia e a noite, por exemplo, há uma infinidade de nuances; entre os bons e os maus, a linha divisória está longe de ser clara, até porque ninguém é totalmente mau ou totalmente bom. Lembremos, ainda, que muito do que é atribuído ao diabo por uns é, para outros, simplesmente divino.
Mesmo entre os religiosos fundamentalistas, é possível ouvi-los dizendo que a virtude está no meio; no meio de suas posições absolutistas, provavelmente não. Em termos religiosos, a crença na dualidade gerou a idéia do sagrado e do profano, o que acabou por restringir o sagrado a espaços limitados, limitantes e estanques, a demonizar o que é entendido como profano e, ainda, a levar ambos a excomungar e exorcizar mutuamente. E, nesta linha de raciocínio, ou na forma de pensamento e juízos de valores que estas crenças estabelecem, separam-se também os ateus dos crentes e dos religiosos. Aplicam-se, a ambos, os conceitos de dualidade, quase sempre, extremados e incoerentes. Assim, os ateus, aos olhos dos religiosos, habitam o outro pólo - são do mal e são maus, são profanos e profanam, do mundo e mundanos, relacionam-se com o mal e vão para o inferno. Da perspectiva dos ateus, os religiosos são ignorantes, inocentes úteis, atrasados, obtusos e vivem sob o ópio e a hipnose dos conceitos religiosos.
Os ateus são evolucionistas e os religiosos são criacionistas; os ateus são partidários da ciência empírica e os religiosos da fé abstrata. Neste lastimável enredo dirigido por egos rebelados do Self, ateus e religiosos duelam e alternam-se nos papéis de bandidos e mocinhos. Apesar de crerem habitar pólos diferentes, possuem em comum a gélida, improdutiva e perigosa frieza dos extremos; do calor aconchegante do amor, só conhecem de ouvir falar. Quem possui, concomitantemente, amigos religiosos e ateus, sabe que tudo isso não passa de preconceito gerado no terreno pobre da ignorância, que são nossas crenças ou incredulidades o que de fato separa e rotula. Sentimentos e expressões de amor, esperança e paz encontram-se tanto em ateus quanto em religiosos e também em meio a ambos há o farisaísmo e a hipocrisia. Além do que, no decorrer da história, ambos armaram-se das mais dantescas expressões de bestialidade e dos mais nobres atos de humanidade. Existem aqueles nos quais a consciência e a essência divina encontram-se expandidas, ainda que se autodefinam como convictos ateus, e os que, não obstante elucubrarem discursos recheados de fervor religioso e transcendental espiritualidade, continuam a assassinar a essência crística com as armas sombrias e densas do orgulho, da inveja e da ganância. Geralmente, quando rotulamos alguém, o fazemos a partir de uma de suas sub personalidades e de nossas próprias crenças e não a partir do self, da essência divina que juntos compartilhamos, quer sejamos crentes ou ateus. Trata-se de um exercício, geralmente mental, para o qual o coração não é convidado. A espiritualidade, necessária e possível a ateus e religiosos, emana da pureza do coração, do amor a vida em suas multifacetadas expressões, na atitude acolhedora, no comportamento destituído de preconceito, na consciência sempre a expandir, a semelhança do próprio universo. A espiritualidade não se fecha nunca, não se deixa definir ou enquadrar, não gera guetos e nem a eles se prende. Isso nos remete a Jesus. Para seus contemporâneos, Jesus era, ao mesmo tempo, do bem e do mau: tinha anjos e demônios, jejuava e orava, comia e bebia com pecadores. Para os doutores da lei, os donos da religião oficializada de seu povo e época, ele tinha demônios, era um apóstata, herege, mundano, profano, blasfemo; para os "cansados e sobrecarregados" da escravidão religiosa e política, ele era "o cara", pleno de bondade, verdade, liberdade, compaixão, misericórdia, acolhimento e perdão. Jesus não era religioso nem ateu, era a expressão exata do Eterno Mistério que nele se revelava. Sua espiritualidade não se enquadrava nos padrões religiosos de sua época e tampouco dos de hoje, até porque a espiritualidade pouco ou nada tem de religiosidade.


Um dia perceberemos o óbvio, isto é, que SOMOS TODOS UM. O que nos fará humanizados e unidos não será a lógica dos pensamentos, a razoabilidade dos argumentos, e sim a amorosidade e pureza do coração, pois, onde falta amor proliferam os argumentos e aprofundam-se as diferenças. Onde o amor existe, há economia de argumentos e abundância de entendimento.
Terminando, admito que me sinto privilegiado e feliz com atividades e comportamentos tanto de ateus quanto de religiosos. Encanta-me, por exemplo, ler e ouvir as crônicas esportivas do Juca Kfouri e os belos lances e lindos gols de Kaká. Acho ambos espiritualizados e espirituosos, ainda que um seja ateu e o outro religioso.

Oliveira Fidelis Filho

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